O segundo dia da 6ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa foi marcado por debates aprofundados sobre o fortalecimento das políticas públicas, o enfrentamento às violências e a consolidação dos espaços de participação social como pilares para a garantia de direitos e para a promoção de um envelhecimento digno no Brasil. Na tarde desta quarta-feira (17), o painel temático dedicado aos Eixos 2, 3 e 4 reuniu especialistas e representantes da sociedade civil para debater desafios estruturais relacionados à proteção da vida, à saúde e ao cuidado integral da pessoa idosa.
No Eixo 2, a palestrante Laís Wendel Abramo, da Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), abordou a necessidade de políticas intersetoriais que assegurem acesso universal ao cuidado, destacando a centralidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), do Sistema Único de Saúde (SUS) e a Política Nacional de Cuidados (PNC). Segundo ela, esse cuidado é fundamental para o bem-estar das pessoas e para a própria reprodução da vida e da sociedade: “Mas ele não pode se basear na sobrecarga das mulheres, sobretudo das mais pobres, negras e daquelas que vivem nas periferias urbanas ou em áreas rurais com menor oferta de serviços de cuidado”.
Laís abordou ainda os desafios para a garantia do cuidado integral às pessoas idosas, destacando a PNC, instituída pela Lei nº 15.069/2024. A política, sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em dezembro de 2024, reconhece o direito ao cuidado, incluindo o direito de receber cuidado, cuidar e autocuidar-se, visando à redução de desigualdades estruturais, como renda, gênero, raça, etnia, idade, território e deficiência.
Segundo a palestrante, a PNC prioriza o cuidado ligado às atividades básicas e instrumentais da vida diária, voltado especialmente a pessoas idosas com dificuldades de alimentação, locomoção, higiene e outras demandas que exigem apoio de terceiros. A proposta é dar visibilidade ao trabalho de cuidado e estruturar serviços e programas capazes de reduzir essa sobrecarga, como a ampliação de creches e escolas em tempo integral para crianças e a oferta de serviços de atendimento domiciliar integrados entre as áreas da saúde e da assistência social para pessoas idosas, a exemplo do programa Maior Cuidado, desenvolvido em Belo Horizonte.
O Plano Nacional de Cuidados operacionaliza essa política por meio de 79 ações e 247 entregas, envolvendo 19 ministérios e outras instituições, direcionadas a diversos públicos, incluindo pessoas idosas, pessoas com deficiência, crianças, adolescentes e trabalhadores do cuidado.
Enfrentamento à violência
O Eixo 3 colocou no centro do debate o enfrentamento às múltiplas formas de violência, ao abandono social e familiar que ainda atingem a população idosa no país. A palestrante Maria Cecília de Souza Minayo, de 87 anos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ressaltou a importância de estratégias de prevenção, monitoramento e responsabilização, além do fortalecimento das redes de acolhimento e de enfrentamento às violências.
Segundo Minayo, a forma mais invisível de violência ocorre com pessoas dependentes, que perderam a autonomia e não conseguem expressar sua situação. Ela exemplifica que, ao ser questionada, uma pessoa acamada, por exemplo, pode negar sofrer violência por medo de que sua queixa seja ouvida pelo cuidador, que pode ser um familiar ou alguém de fora.
Ao analisar as denúncias feitas ao MDHC, a pesquisadora aponta a negligência como a principal forma de violência. Isso inclui pessoas idosas esquecidas, abandonadas e sem cuidados adequados, que não recebem alimentação apropriada ou as medicações necessárias, chegando a passar fome e por diversas privações. Ela descreve situações em que pessoas mais velhas permanecem sujas e urinadas na cama por falta de alguém para prestar cuidados, um problema que, segundo pesquisas e relatos de agentes comunitários de saúde, atinge muitos indivíduos nessa condição de vulnerabilidade.
Questionada sobre como a Conferência Nacional da Pessoa Idosa pode contribuir para a formação educativa da sociedade no enfrentamento dessas violências, Minayo expressou o desejo de que todas as redes e veículos de comunicação estivessem presentes. Ela compara o envelhecimento no Brasil a um “tsunami”, em razão de seu crescimento acelerado, mas ressalta que a sociedade brasileira ainda não está consciente dessa realidade, e que a pessoa idosa não é tratada como prioridade.
Minayo enfatiza que, embora a infância seja crucial para a formação de hábitos e valores, o Brasil vem reduzindo o número de crianças e ampliando o de pessoas idosas. A pesquisadora acredita que a conferência pode contribuir para a construção de uma “consciência social”, e que suas ideias precisam ser amplamente disseminadas pelo país, desde as escolas primárias até o público que acompanha novelas, para que a sociedade seja sensibilizada e socializada com essa realidade.
Felipe Areda, coordenador de proteção social especial de alta complexidade da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social do Distrito Federal, destacou que a 6ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa tem sido palco de discussões aprofundadas sobre o abandono social e as múltiplas violências contra pessoas idosas, ressaltando a complexidade do tema, especialmente no que tange à negligência.
Areda ressaltou um dado alarmante: “79% das denúncias que chegam ao Disque 100 sobre violência contra a pessoa idosa estão relacionadas à negligência”. Segundo ele, a intervenção estatal muitas vezes revela uma situação de desproteção do cuidado, e não necessariamente uma negligência intencional por parte das famílias. O coordenador observa que famílias sobrecarregadas e pessoas idosas inseridas em composições familiares sem condições de garantir o cuidado adequado são realidades frequentes.
O desafio, segundo Areda, é lidar com a violência sem focar apenas na denúncia e na responsabilização das famílias. Ele critica a abordagem que julga as famílias ou limita a intervenção a mudanças de comportamento, sem considerar as condições de desigualdade e desproteção social que levam a essas situações.
A PNC é vista como uma ferramenta crucial no enfrentamento da violência, pois “traz a corresponsabilização do Estado pelo cuidado das pessoas idosas, entende o cuidado como um bem público e também como um direito”. Isso permite a construção de ferramentas e estratégias para intervir em situações que podem gerar ou agravar a violência.
violência.
Múltiplas velhices
Felipe Areda também destacou a importância da convivência intergeracional e da diversidade no contexto do envelhecimento. Ele compartilhou sua experiência em oficinas com jovens LGBTQIA+, nas quais questiona quem é a pessoa do grupo, com 60 anos ou mais, que eles conhecem.
A dificuldade em responder a essa pergunta revela o isolamento de pessoas LGBTQIA+ idosas e a baixa convivência intergeracional, que, de acordo com ele, é um direito de base comunitária que garante o pertencimento, o reconhecimento, a continuidade cultural e a preservação da memória de uma comunidade, especialmente na perspectiva das múltiplas velhices.
O Eixo 4 promoveu reflexões sobre participação social, protagonismo e vida comunitária, a partir da perspectiva das múltiplas velhices. A palestrante Leides Barroso Azevedo Moura, ao lado de Valdeci Pereira da Silva, enfatizou a necessidade de reconhecer a diversidade das experiências de envelhecimento e de assegurar espaços de escuta, decisão e pertencimento para as pessoas idosas.
Valdeci, voluntário há 24 anos em um programa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, enfatiza a necessidade de programas que estimulem o lazer para pessoas idosas, pois, segundo ele, “a maioria dos programas que a gente tem hoje é voltada para questões financeiras”. Ele também ressalta a importância de reconhecer as múltiplas realidades das pessoas idosas, considerando diferenças financeiras, de moradia e de estrutura familiar, para criar espaços culturais acessíveis a todos, independentemente de sua condição social ou localização.
Para Valdeci, a conferência é um espaço central de debate e de participação de pessoas idosas diversas, gerando documentos que precisam ser validados e efetivamente aplicados. Ele defende que a política da pessoa idosa deve ser uma política de Estado, e não de governo, para garantir continuidade e efetividade.
Na sequência, o painel temático dos Eixos 1 e 5 concentrou as discussões sobre financiamento e controle social. O Eixo 1 evidenciou que a ampliação e a garantia dos direitos sociais das pessoas idosas dependem diretamente de um financiamento público adequado, contínuo e transparente, tema abordado pela palestrante Albamaria Paulino de Campos Abigail.
Já o Eixo 5 reforçou o papel estratégico dos Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa na consolidação dessas políticas como responsabilidade permanente do Estado brasileiro. A palestrante Maria Isabel Vitória de Carvalho destacou a importância do fortalecimento institucional dos conselhos e da participação social como instrumento de democracia e de garantia de direitos.
O segundo dia da conferência reafirmou o compromisso coletivo com a construção de políticas públicas integradas, participativas e sustentáveis, capazes de enfrentar desigualdades históricas e assegurar autonomia, direitos e um envelhecimento digno para todas as pessoas idosas no Brasil.
Assessoria de Comunicação Social do MDHC
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