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Amor de Mãe: Pelos filhos, ela matou (parte final)

Amor de Mãe: Pelos filhos, ela matou (parte final)

12/05/2016 20h57 Atualizada há 8 anos
Por: Redação
Foto: Reprodução
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Por Jean de Menezes Severo  Fala gurizada medonha! Tudo certo? Inicialmente, tenho o dever de agradecer a todos vocês, amigos leitores, que fizeram da coluna passada um verdadeiro sucesso. Foram muitas curtidas, comentários e compartilhamentos. Não escondo dos leitores a dificuldade de escrever semanalmente, no entanto, quando se tem o retorno, que eu particularmente tenho tido com minhas singelas colunas, todo esforço é pouco a fim de trazer uma coluna de fácil leitura, mas que, ao mesmo tempo, tenha um conteúdo que possa ser útil na vida de quem lê. Gente, obrigado do fundo do meu coração. O carinho e a amizade de vocês são um tesouro que carrego no peito. Pois bem, chega de mais delongas, coluna no ar. É nóis! Amigo (a) leitor (a), de cara aconselho que, se tu não acreditas em Deus, em religiosidade, na força da fé e até mesmo no sobrenatural, nem continue a ler esta coluna, pois será perda de tempo pra ti. Agora se tu acreditas que somos grãos de areia neste universo infinito e que, sim, existem situações inexplicáveis, que não conseguimos encontrar resposta, leia a parte final desta coluna. Até hoje me arrepio com o que aconteceu em plenário naquele dia. Assumi a defesa de Maria da Conceição para realizar apenas o plenário do júri a pedido de um magistrado muito meu amigo, como já relatei na coluna anterior. Dona Maria havia matado seu marido com mais de uma dezena de facadas e foi denunciada por homicídio triplamente qualificado. Um crime terrível e de difícil defesa frente ao modo que foi executado: vitima dormindo, não esboçando nenhuma condição de defesa. A condenação era certa, apenas esperando o número de anos que deveria cumprir pena na cadeira. Cheguei cedo ao foro naquele dia. Passei a noite estudando os autos e conversando comigo mesmo, buscando argumentos que pudessem diminuir a pena daquela pobre mulher. Dona Maria, uma figura doce e querida por todos no bairro; uma mulher humilde, mas que tirava de si para auxiliar o próximo. Esta mulher no seu júri conseguiu unir católicos, evangélicos e umbandistas. O plenário estava tomado. Minha tese defensiva era desclassificação de homicídio triplamente qualificado para homicídio simples e buscar o reconhecimento de alguma privilegiadora. Na minha cabeça de jovem advogado recém-formado, tudo estava pronto, todavia, em instantes eu iria compreender na pratica que algumas coisas na vida simplesmente não possuem explicação! Antes de iniciar o julgamento, como é de praxe, fui conversar mais uma vez com dona Maria. Ela estava agarrada a um terço de madeira, tranquila, serena. Não podia pensar naquela doce senhora condenada e comecei a explicar para ela como iria trabalhar; que seria melhor pedir uma desclassificação para um crime menos grave e com pena menor para que em breve ela fosse solta, progredindo para um regime semiaberto. Dona Maria parecia não prestar atenção, apenas sorria. E com este sorriso veio a seguinte frase:
“Vou sair solta, Doutor. O senhor vai me absolver“.
Tentei explicar mais uma vez da dificuldade do pedido absolutório, da pena alta que era uma condenação por homicídio qualificado, mas ela não dava bola. Com uma voz suave me disse:
Tu vai me absolver doutor. O senhor está muito bem acompanhado“.
Na hora, confesso que até me irritei. Poxa, eu tentando explicar minha tese de defesa, extremamente preocupado com uma provável condenação e a ré nem dando bola, rindo e falando coisas sem nexo. Até pensei que Dona Maria tinha sido medicada, mas não, meus amigos, ledo engano. Dona Maria estava certa sobre o que estava por vir. Ainda me tira o fôlego e faz marejar meus olhos lembrar deste caso, mesmo com tantos anos e júris que vieram depois. Foram ouvidas testemunhas de acusação e de defesa, porém, o mais impressionante foi o interrogatório daquela jovem senhora. Falou com suavidade tudo o que sofria no casamento, do amor pelos filhos, pelos amigos, do seu trabalho social, da importância da caridade na evolução do homem… Resumindo, a acusada deu uma aula de humanidade, de fé e de amor ao próximo. Até eu mesmo me perguntei: Como alguém assim de tão bom coração poderia ter cometido um crime tão brutal? Meu olhar de advogado estava satisfeito com aquele interrogatório; ela inegavelmente impressionou o Conselho de Sentença positivamente. Agora, era tudo comigo! O MP foi implacável na acusação. Um prato cheio para um promotor inquisidor como aquele. Falou que o interrogatório da ré havia sido ensaiado, que a ré se tratava de uma assassina fria, psicopata, sem sentimentos, que nem ao menos chorava no júri, que voltaria a matar novamente se fosse posta em liberdade. Foi difícil ouvir aquele monte de absurdos durante a etapa acusatória, mas logo a defesa falaria e tudo iria mudar, inclusive na minha própria vida como ser humano e como advogado. Terminada a acusação, que pediu a condenação de dona Maria por homicídio qualificado, fomos para o intervalo de almoço. Eu não consegui comer nada. Estava em estado de júri, louco para começar minha defesa. Na volta, fui mais uma vez falar com dona Maria. Passar-lhe uma palavra de fé, de esperança e mais uma vez ouvir da própria:
“Tu não estás sozinho. Deixa teu coração falar, hoje vou ficar com meus filhos novamente”.
Confesso que segurei o choro. Estava morrendo de pena daquela senhora que confiava tanto em mim, no entanto, nem eu acreditava em uma absolvição. Saí da conversa cabisbaixo, mas não deixei transparecer para ela. Apenas disse que faria meu melhor e me retirei para o plenário. A Susepe trouxe dona Maria ao plenário para que prosseguisse o julgamento. Ela sentou-se na minha frente e o juiz-presidente proferiu a seguinte frase:
“Com a palavra, a defesa”.
Levantei-me para iniciar a saudação e um suador começou a tomar conta deste advogado. Senti que meus lábios tremiam, achei que iria travar, o que seria uma tremenda vergonha para um advogado tribuno, mas me veio a mente as palavras de dona Maria (Deixa o teu coração falar). Segui sua orientação, esqueci as técnicas jurídicas e blábláblá e todo o resto e falei com meu coração. Botei abaixo o plenário com uma força descomunal. Não sabia, até aquele júri, a força que tinha e meu tom de voz. Apresentei a prova, as condições que faziam a defesa requerer, SIM, a absolvição da ré. Mudei a tese de defesa em plenário: de desclassificação sustentei a inexigibilidade de conduta diversa. Falei como nunca e, durante o julgamento, algumas palavras que não costumo usar no meu diaadia surgiam e eu as aplicava em plenário. Era como se eu tivesse em terceira pessoa, sendo conduzido por alguém. Ao final, emocionado, eu chorei e pedi a absolvição daquela acusada. Pedi uma chance de vida àquela mulher e me retirei do plenário, pois achei que iria desmaiar depois daquela total entrega à causa. Fui ao banheiro, lavei o rosto, acalmei os ânimos e voltei ao o plenário. Ele estava calado, sentia as pessoas me olhando. Uns preocupados, outros me achando um louco, a sessão estava suspensa e dona Maria com a mesma paz no semblante. Eu estava feliz com meu trabalho, mas não recordava com absoluta clareza tudo que havia falado. Meu coração estava calmo, sereno, com o sentimento de missão cumprida. Na volta do intervalo, o promotor resolveu não ir à réplica e fomos para a sala secreta decidir, enfim, o destino de dona Maria. Os jurados proferiram seu veredicto: ABSOLVIÇÃO, com absolutos 7×0, inapeláveis e imutáveis. Mais uma vez o pranto tomou o meu rosto. Sou chorão mesmo, mas foi um choro de alegria, de alívio. Na volta do plenário, o juiz anunciou a decisão absolutória. Foi uma festa. Abracei dona Maria e disse:
Vai para casa cuidar dos teus filhos e ser feliz“.
Ela me respondeu:
Eu tinha certeza que tu iria me absolver desde a primeira vez que te vi no presidio. Obrigada doutor. Nunca mais vou lhe esquecer. Ah! E doutor, foi bonito ver vocês dois falando na minha defesa.”
Não perguntei mais nada para Maria, nem quem eram os dois a quem ela se referira. Apenas sei que, daquele dia em diante, deixei meu coração falar. E muitas e muitas absolvições se sucederam e se sucedem ainda hoje. Procurei também me aprofundar mais na religiosidade e ficar mais próximo de Deus. Depois daquele júri, muito mudou em minha vida e para melhor e uma prova clara disso é eu estar escrevendo estas palavras para vocês e estar perto de vocês, meus amigos leitores, contando como naquele dia “nós dois”absolvemos dona Maria. Texto e Foto: JusBrasil - Por Jean de Menezes Severo 
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